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A tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos contra o Brasil vem gerando estresse tanto no setor público, como no privado, que buscam maneiras para deixar o episódio para trás. A realidade praticamente consensual é de que a alíquota não voltará aos 10% estabelecidos em abril, mas os negociadores nacionais ainda buscam amenizar o máximo possível a situação. O que se observa, contudo, é que a questão econômico-comercial das tarifas é contaminada pela desavença político-ideológica entre os presidentes Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Ao anunciar a alíquota no dia 9 de julho, o republicano deixou claro que qualquer resposta "belicosa" sofreria retaliação. E, "caso tenha uma escalada, a palavra para descrever o cenário seria 'caótico'", diz Paulo Roberto Pupo, superintendente da Abimci (Associação Brasileira da Indústria de Madeira Processada Mecanicamente). Presente na reunião interministerial com o empresariado, capitaneada pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), Pupo traz a avaliação de um setor que afirma, em nota, enfrentar "um início de colapso" com a alíquota de 50%.
À CNN, o empresário relata que o setor madeireiro "já entrou num compasso de total instabilidade", uma vez que "o importador norte-americano olha o mapa mundial e vê um ponto vermelho chamado Brasil. Por tanto, se escalonar, perdemos todo o mercado e não recuperamos, o setor não sobrevive se vier a deteriorar ainda mais". Esse é um ponto de vista que não se limita ao empresariado. José Luiz Niemeyer, economista e professor de Relações Internacionais do Ibmec-RJ, elenca que a tarifa trará "desdobramentos no campo do emprego, do investimento internacional direto em empresas brasileiras e das empresas norte-americanas que atuam no Brasil".
Ao olhar para a política que contamina o debate técnico, Niemeyer avalia que "se nós deixarmos essas negociações apenas a partir de uma ação do presidente Trump e de reação do presidente Lula, nós não vamos chegar a bom termo. Vai escalar para problemas incontroláveis". Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, pondera que "todas as sanções aventadas ali são extremamente graves e com muitas consequências para economia brasileira. São bastante exageradas, e algumas os EUA nunca utilizaram nem contra Irã ou Rússia".
Um representante de exportadores do agro ouvido anonimamente disse que há no setor uma preocupação após as movimentações feitas junto do Executivo de que comentários mais agressivos que acirrem os ânimos. O empresário afirma que a preocupação é compartilhada por importadores norte-americanos, que reiteram que alimentar a intriga política será ruim pra todos. Para ele, o momento é de deixar de lado certos comentários e focar no econômico.
"Xeque-mate" em setores
"Falando de uma questão comercial Brasil-Estados Unidos, a pauta de exportação de commodities agrícolas brasileiras para os norte-americanos é muito diferente do perfil normal", segundo Leonardo Alencar, head de Agro e Alimentos e Bebidas da XP, que ressalta o incômodo para setores mais específicos. Dos 10 produtos brasileiros mais exportados para os EUA de janeiro a junho de 2025, três são do agronegócio, mas não aparecem como destaque campeões nacionais do agro como a soja:
Olhando para o agro, Alencar explica que "onde realmente começa a ter mais impacto é no café. Os Estados Unidos podem começar a usar produto de outros países, com custo a mais e perda de qualidade", enquanto o suco de laranja é impactado semelhantemente e o cenário para "a carne bovina é relativo". "Se no cenário mais drástico parar de vender, vai subir o preço lá de um produto que falta no mercado, carne bovina magra. Porém, sazonalmente já era esperado que caissem as exportações de carne no segundo semestre pelo perfil de consumo norte-americano, que atinge um pico no feriado de 4 de julho."
Os exportadores de café não relatam prejuízos, até o momento, mas sim que o mercado travou, segundo Marcos Matos, diretor-geral do Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil). Matos destaca como relação bilateral é importante tanto para o consumidor norte-americano, que tem no produto brasileiro seu principal fornecedor, como ao Brasil.
O representante do setor cafeeiro ressalta que "ambos são insubstituíveis" um para o outro e que, em interlocução com os parceiros dos EUA, esse é um valor reconhecido pelo governo Trump. E enquanto reconhece que "o café vai ficar mais caro nos Estados Unidos, têm certos produtos que [a tarifa] inviabiliza [o comércio] sim".
Além dos madeireiros, os aquicultores temem as consequências do tarifaço, já sentidas "nas escamas" do setor. Eduardo Lobo, presidente da Abipesca (Associação Brasileira das Indústrias de Pescados), relatou à CNN que "foram suspensos todos os pedidos de pescados do Brasil aos Estados Unidos". "A situação é diferente do suco de laranja, do café, da carne e do aço, que os Estados Unidos têm dependência, precisa, têm que comprar. Vai subir o preço lá, mas vai ter que comprar. No pescado não, eles simplesmente suspenderam todos os pedidos e estão comprando de outros mercados na América Central. A cadeia está travada."
70% dos pescados exportados pelo Brasil são enviados aos EUA, sendo uma produção majoritariamente artesanal e familiar, cuja atividade gera emprego e renda nas regiões de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mais baixos do país, segundo a Abipesca. Lobo diz que a tarifa deixou os aquicultores "em situação de xeque-mate, porque não tem segunda opção", e apesar de tentar manter o olhar prático e técnico frente, esta "é uma situação que o setor nunca viveu antes e que pode ser pior ainda".
A expectativa da Abipesca era de fechar 2025 com US$ 600 milhões em vendas de pescados, com pouco mais de US$ 400 milhões indo aos EUA. Segundo o presidente da entidade, o setor deve deixar de exportar US$ 200 milhões com a continuidade da taxa de 50% ou caso o governo não socorra o setor.
O executivo contou que vai enviar uma carta ao presidente Lula pedindo uma linha de credito de até R$ 900 milhões para resgatar o setor de pescados dessa situação: "a corda já arrebentou para os aquicultores. O que tenho comentado é que se vai para 60%, 70%, 80%, daqui para frente é indiferente, já não está mais competitivo. E nosso setor não aguenta esperar 90 dias para que uma solução racional entre as partes aconteça". "Para que a indústria não pare, isso é muito importante, nosso socorro precisa ocorrer 'ontem'. É um plano emergencial de resgate de um setor que vai quebrar. São muitos parceiros que vivem da exportação de pescados, muita gente que trabalhou e nunca imaginou que ia ter a quebra da relação com os Estados Unidos. Esperava-se de qualquer país, menos com os Estados Unidos."
E pelo compartilhamento de experiências de Marcos Matos, essa seria uma abordagem aprovada pelo próprio empresariado dos EUA. O diretor-geral do Cecafé diz que a abordagem da entidade vem sendo aplaudida pelos parceiros da National Coffee Association (associação nacional do café, em tradução livre). "A agenda deles é muito clara: fazer algo construtivo de não enfrentamento, cuidado para não esticar a corda do lado ideológico, focar no trabalho de bastidores e não se comunicar de maneira a parecer um enfrentamento. E onde nos compete, o trabalho é contínuo, buscando conscientização e levar para o lado econômico, estatístico."
Matos; Lobo, da Abipesca; e Pupo, da Abimci, reconhecem a importância dos esforços de figuras como o Ministério da Agricultura e Pecuária e a Apex Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) no que tange a abertura de novos mercados. Porém, ressaltam que esse é um trabalho para o longo prazo. Olhando para as últimas décadas, compartilham a experiência de que os contratos firmados até hoje dependem de uma relação de confiança construída com tempo.
Assim, reforçam que o governo siga a linha técnica e busque evitar a todo custo a escalada da tensão, venha ela pela via econômica ou política. "Seria muito importante uma sinalização do nosso presidente buscando diálogo", conclui o diretor-geral do Cecafé.
CNN Brasil