A Zona Franca de Manaus é o resultado da evolução geopolítica e socioeconômica da Amazônia, particularmente da Amazônia Ocidental (atuais espaços ocupados pelos estados do Amazonas, Rondônia e Roraima). Para compreender essa construção é necessário remontar ao Século XIX, quando as principais evoluções sociopolíticas passaram a acontecer no Norte do Brasil.
Antes de iniciar essa jornada de conhecimento, que se seguirá semanalmente por meio de artigos que explicam o modelo de desenvolvimento regional mais duradouro e promissor implementado na Amazônia Ocidental em meados do Século XX, gostaria que o leitor se familiarizasse com alguns pressupostos da teoria econômica, que reputo serem relevantes para compreendermos as dinâmicas socioeconômicas na Amazônia.
Gregory Mankyw (2009), economista norte-americano e professor da Universidade de Harvard, em seus princípios de economia, diz que "às vezes os governos podem melhorar os resultados dos mercados" e "as pessoas reagem a incentivos". Ao longo da história da existência humana não há nada mais verdadeiro que a assertiva de que um Estado organizado precisa planejar, estrategicamente, o desenvolvimento de seu território para não sofrer perdas irreparáveis, além do fato de que o homem não se contentará à sorte do acaso na luta pelo sustento. Esses são preceitos seculares que delinearam a história econômica do mundo e não seria diferente na Amazônia.
Então, caro leitor, o primeiro evento a ser considerado para compreendermos a gênese da Zona Franca é a elevação da Comarca do Alto Amazonas à categoria de Provincia, no ano de 1850. Mas, para entender o quadro político da época, precisamos conhecer o cenário da Independência do Brasil, na Amazônia, em 1822, quando as colônias espanholas da América do Sul também iniciaram movimentos separatistas, criando instabilidade geopolítica, sobretudo nas fronteiras do Norte brasileiro, exigindo do governo imperial atitudes que afirmassem sua soberania em vastos territórios abandonados e desconhecidos que, àquela altura, contava com poucos povoados espalhados por toda a calha do rio Solimões-Amazonas e diminuta atividade produtiva ligada apenas ao poliextrativismo, o que não representava incentivo para a permanência humana nas longínquas terras.
As insurgências locais separatistas, da Comarca do Alto Amazonas, contra a Província do Grão-Pará e contra o governo imperial brasileiro, somadas à necessidade de resguardar as fronteiras brasileiras das investidas inglesas e americanas sobre o Vale do Amazonas em busca dos produtos extrativos, criaram o cenário propício à decisão de elevar a Comarca à categoria de Província, o que foi feito pela Lei nº 582, de 5 de setembro de 1850 - nascia, assim, a Província do Amazonas.
As atividades econômicas neste espaço eram minguadas: a agricultura contava apenas com unidades produtoras de subsistência dispersas num vasto espaço; o sistema de transporte se resumia a canoas e barcos à vela; a indústria voltava-se a processar minimamente a produção extrativa em fábricas rudimentares; a pecuária estava reduzida aos campos do rio Branco; e se desenvolvia um intenso comércio à beira-rio, promovido pelas canoas de regatão. Portanto, para os primeiros administradores da Província do Amazonas, os principais problemas a serem enfrentados eram o reduzido contingente populacional, o desconhecimento do potencial produtivo dos rios e florestas, a inexistência de infraestrutura fluvial que apoiasse a comunicação entre os diversos pontos da malha hidrográfica, bem como promover a arrecadação que pudesse manter ativa a Fazenda Pública para financiar os aparelhos sociais necessários à fixação da população e dos empreendimentos.
No próximo artigo, iremos tratar sobre a dinâmica social e econômica produzida na Província do Amazonas pela economia da borracha e as primeiras medidas extrafiscais para o fomento da socioeconomia amazônica.
Marcelo Souza Pereira, é Economista, Especialista em Gerência Financeira, Mestre em Desenvolvimento Regional, Doutor em Sustentabilidade na Amazônia. É ex-superintendente da SUFRAMA e servidor público cedido à Câmara Federal.
Marcelo Souza