O enfrentamento da paternidade não reconhecida ganha nova dimensão em Rondônia com a Lei 5.884/2024. A medida, que integra cartórios e Defensoria Pública, representa um passo importante, mas também evidencia a complexidade de um problema que ultrapassa as fronteiras jurídicas e adentra questões sociais profundas. Os números são expressivos: 20 mil crianças registradas sem pai em Rondônia apenas em 2023, parte de um contingente nacional de 170 mil casos no mesmo período. São dados que revelam não apenas uma falha burocrática, mas uma ruptura social que afeta o desenvolvimento de milhares de pessoas.
A nova legislação apresenta mecanismos pragmáticos ao estabelecer um fluxo digital de informações entre cartórios e Defensoria Pública. Esta sistematização é fundamental para superar a histórica descontinuidade das políticas públicas nessa área. A inclusão das universidades através dos Núcleos de Prática Jurídica também merece destaque, pois amplia a capacidade de atendimento e forma profissionais mais conscientes dessa realidade. Entretanto, é preciso reconhecer que a lei, por si só, não resolve as raízes culturais e sociais do problema. A ausência paterna frequentemente está associada a questões como desigualdade social, desinformação e, em alguns casos, à própria cultura machista que ainda relativiza a responsabilidade parental.
A obrigatoriedade de orientação às mães sobre seus direitos no momento do registro é um avanço significativo, mas demanda preparação adequada dos servidores dos cartórios. Não basta informar; é necessário criar um ambiente acolhedor para que essas mulheres se sintam seguras para buscar seus direitos. A proteção de dados prevista na lei também merece atenção especial. O compartilhamento de informações sensíveis exige protocolos rigorosos e infraestrutura adequada. Por isso é fundamental que os órgãos envolvidos estejam devidamente preparados para garantir a segurança dessas informações.
Outro aspecto que merece reflexão é o impacto dessa medida no sistema judiciário. O provável aumento nas ações de investigação de paternidade demandará estrutura e pessoal adequados na Defensoria Pública. Sem esse suporte, corre-se o risco de criar uma expectativa que não poderá ser atendida. A iniciativa de Rondônia pode servir de modelo para outros estados, mas sua efetividade dependerá de fatores que vão além do texto legal. É necessário um compromisso contínuo do poder público com recursos humanos e materiais, além de campanhas educativas que abordem a paternidade responsável.
Diário da Amazônia